13.10.08

Homofobia e invisibilidade


Lawrence Estivalet

Ainda que biotecnólogos respeitados mundialmente tragam a homossexualidade como determinada geneticamente, o fato incontestável concerne à existência de homossexuais também em animais não-humanos e, estima-se, um mínimo de 10 milhões apenas no Brasil. Assim, a expressão "opção sexual" traz a carga de um conceito de normalidade que ignora que a escolha é muito pior: viver uma mentira ou viver à margem?

Ainda essa semana, tive a infeliz surpresa de um amigo ter apanhado até sangrar nas ruas de Pelotas. O motivo: ele é gay (e não esconde isso). A quantidade de violências simbólicas que gays sofrem, entretanto, é ainda maior do que de físicas: na hermenêutica conservadora, por exemplo, LGBTs não apenas não se casam, como também não se separam e não constituem família. O Direito, então, ignora uma sociedade que, no mais das vezes, esconde-se de si própria, resultando em não menos do que, de um lado, milhões de pessoas que assistem a programas de piada vendo a si como anormais e, de outro, um sem número de não-críticos que reproduzem a piada como algo descontraído e, portanto, válido, sem atentar para o fato de que a piada não é uma mera brincadeira, pois, sublinhe-se, em pesquisa realizada com cinco mil professores de ensino fundamental e médio, revelou-se que 59,7% deles consideram inadmissível que uma pessoa possa vir a ter experiências homossexuais; 21% deles, ademais, disseram que não gostariam de ter um gay ou uma lésbica como vizinhos.

A delicadeza do assunto em questão, portanto, é forte: fala-se de vida. Piada após piada, desprezo após desprezo e dia após dia, a rotina, o senso de humor, a perspectiva, o afeto e a vontade de viver de muitas pessoas é mutilada por uma acriticidade inaceitável em um Estado que se diz laico e, enquanto discute a criminalização da homofobia, esquece que ainda não explicou à sua sociedade por que nascer gay, assim como nascer homem ou mulher, é meramente biológico. Isso porque ser homossexual não pode significar nascer para uma não-vida; a dignidade da pessoa humana é assegurada a todos, o que inclui um mínimo direito à esquecida igualdade, que não se resume a migalhas: a pessoa que nasce gay, assim como a pessoa que nasce heterossexual, tem que, desde sempre, não ter vergonha de si mesma, tem que poder apresentar o namorado ao pai sem medo de que ele lhe expulse de casa, tem que poder responder às piadas de que é motivo sem ser motivo de ainda mais piadas e tem que andar na rua sem medo de apanhar por apenas ser o que é.

Para tanto, precisa-se encarar o problema de frente: a própria Organização Mundial da Saúde, desde 1990, e a Associação Americana de Psiquiatria, desde 1973, dizem que ser gay não constitui nem doença, nem distúrbio, nem perversão. O gay, por conseguinte, não é um alienígena à sociedade. Não é um monstro. Não é um pervertido. Não é um doente. É alguém, a bem da verdade, que, vencendo as barreiras do preconceito, conseguiu aceitar-se, contra toda a maré do senso comum, e que deve ser admirado, sobretudo pela sua coragem de se dispor à marginalização e à violência de ser, para muitos, bem menos do que um indigno; para si próprio, alguém que tenta viver.

O debate da homofobia, então, é mais do que necessário, embora criminalizar a todos que a praticam seja o mesmo que esvaziar a sociedade. O foco sério pressupõe visibilidade, de maneira responsável e igualitária; como, já há muito, reclamam os Direitos Humanos.


Artigo publicado dia 30 de Setembro pelo jornal Diário Popular. Lawrence é Coordenador Geral do Centro Acadêmico Ferreira Vianna (CAFV), entidade representativa dos estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas

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